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Cenários antecipados pela COVID-19

Atualizado: 4 de jun. de 2020

Fátima Rendeiro e Flávio Ferrari*




A pandemia da Covid-19 é o que chamamos de “black swan”, pela raridade, ou “wild card”, pelo impacto. É um evento de baixa probabilidade de ocorrência no horizonte do planejamento estratégico, mas que, quando acontece, determina mudanças de cenário que demandam sua total revisão. Note que não utilizamos a palavra “imprevisível” nessa definição. Quando desenhamos cenários futuros prováveis, é fundamental identificar possíveis “wild cards” e preparar planos de contingência.


Uma nova pandemia causada por coronavirus, originando-se em Wuham (China), já havia sido vaticinada por cientistas em 2007, com elevada probabilidade, embora sem data marcada. Bill Gates gravou uma palestra para o TED em 2015, reforçando a necessidade de nos prepararmos para uma pandemia. O CIFS – Copenhagen Institute for Futures Studies, incluiu a pandemia no seu kit de wild cards em 2016. Em comum, a convicção de que a ocorrência de uma nova pandemia deveria estar no radar de governos e organizações.


Ainda assim, fomos pegos de surpresa, com a provável exceção da Coreia do Sul, cujo governo havia se preparado para essa eventualidade em decorrência de haver sido duramente afetado por duas outras epidemias em anos anteriores. E, mesmo lá, a situação não é confortável.

Quando surge uma “wild card” desta magnitude, não há como, num primeiro momento, deixar de ser surpreendido. Nesse instante inicial, somos todos vítimas. Na sequência, como expectadores, buscamos informações confiáveis para entender o que está havendo e analisar as possíveis consequências. A partir daí, passamos à ação, primeiro reativamente, tomando as medidas contingenciais necessárias, e temos a opção de recuperar o protagonismo.


Passadas as primeiras semanas, durante as quais nos organizamos para enfrentar as dificuldades do presente, chega o momento em que, como profissionais, precisamos pensar no futuro das organizações. É muito importante para a sociedade que nossas empresas sobrevivam, se recuperem e voltem a crescer, e isso é nossa responsabilidade. Assumir a posição de protagonista em tempos de crise faz parte da responsabilidade social corporativa. Ser protagonista, no curto prazo (2020/2021), é compreender os cenários que se configuram e rever nossas estratégias de forma a minimizar riscos e identificar oportunidades imediatas.

No longo prazo, é conceber os possíveis cenários futuros e orientar a organização de forma a participar de sua construção através da inovação sustentável.


Em momentos críticos, é importante dedicar algum tempo ao planejamento das ações futuras e não deixar que a urgência sufoque a relevância, consumindo todos os nossos recursos, sob pena de prolongar a situação de crise para a organização. Ainda que seja necessário trabalhar mais e consumir algumas reservas, o retorno sobre esse investimento costuma ser bastante compensador.



O impacto imediato da “wild card” Covid-19 pode ser modelado, para melhor entendimento, em quatro vetores: reclusão, recessão, revelação e reconfiguração. A cada vetor corresponde um conjunto de implicações que serão a base para o cenário de curto prazo, com o qual as organizações deverão trabalhar.




A reclusão imposta pela pandemia reforçará a vida virtual, trará novos hábitos e despertará questões emocionais.


A recessão econômica terá forte impacto em todos os setores da economia, com reflexos significativos para a sociedade.


A crise também oferece um momento de revelação, evidenciando limitações e oportunidades negligenciadas, antecipando o futuro.


A necessidade de reconfiguração dos negócios se torna evidente e inevitável e a inovação passa a ser um artigo de primeira necessidade, tanto para processos como para modelos de negócio. Em alguns casos, todo o ecossistema precisará ser reconfigurado.


As revelações merecem atenção especial, principalmente no que se refere às limitações e oportunidades negligenciadas.



Boa parte do que está acontecendo e irá acontecer nos próximos meses pode ser classificado como antecipação (ou aceleração) do futuro. São cenários que já estavam em desenvolvimento e que, muito provavelmente, fizeram parte das discussões de preparação do planejamento estratégico. As organizações que priorizaram esses cenários em suas estratégias estarão mais bem preparadas para atravessar a crise e retomar o crescimento em seguida.


As empresas brasileiras vinham acelerando a adoção do trabalho remoto nos últimos dois anos. Aproximadamente 50% delas já haviam adotado algum modelo, ainda que parcial, de home office antes da crise.


A discussão da transição do ecossistema de saúde, do tratamento para a prevenção, é global, mas pouco vinha sendo feito nesse sentido. Biossegurança, em termos práticos, era apenas uma preocupação de cientistas.


O monitoramento social foi um dos assuntos mais quentes do final da década passada, sob a ótica da proteção de dados pessoais. Agora recebe um outro olhar, o da segurança coletiva.


Podemos completar essa lista de cenários futuros acelerados com o encasulamento digital, a inovação aberta, as novas formas de trabalho, as estratégias de marketplace, a necessidade de revisão dos contratos sociais, a responsabilidade social corporativa, o resgate da relevância das marcas de mídia, a busca de propósito, entre outros temas que, agora, não podem mais ser ignorados ou postergados, porque apresentam oportunidades e riscos imediatos.


A necessidade de reconfiguração se torna evidente e inevitável e a inovação passa a ser um artigo de primeira necessidade, tanto para processos como para modelos de negócio. Em alguns casos, todo o ecossistema precisará ser reconfigurado.




O cliente/consumidor terá suas prioridades alteradas, novos hábitos e necessidades e menor disposição para gastar, nesse primeiro momento.


O ambiente de negócios também estará alterado, com maiores restrições logísticas e um leque diferenciado de ofertas inovadoras que disputarão a atenção e o bolso do consumidor.


Nas organizações, o imperativo inovador encontrará a barreira das restrições de investimentos, e as soluções precisarão ser ainda mais criativas e, possivelmente, coletivas.


Para fundamentar a readequação estratégica, as organizações precisarão revisar sua cadeia de valor. A disputa de mercado será decidida pelo “share of relevance”.


A nova expressão ressalta que, durante a crise e no futuro imediato, disputaremos o espaço mental e emocional da relevância para o consumidor, que pode menos, mas quer mais.


De certo modo, essa é outra aceleração do futuro, porque a sociedade já vinha caminhando para a imaterialização, e as organizações determinadas a aumentar sua eficiência através da transformação digital atentas à inovação aberta.


Mas abre-se, ainda, a oportunidade de identificar as potenciais transformações sociais (e dos negócios) no período pós crise (2022 e além), a partir das perspectivas históricas e das megatendências atuantes.


Na antecipação dessas transformações e no desenho de cenários futuros possíveis residem as maiores oportunidades estratégicas de inovação sustentável para as organizações.


*Professores da ESPM e associados do CIFS BR – Copenhagen Institute for Futures Studies


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