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Tem Publicitário no Samba

Atualizado: 4 de jun. de 2020

Entrevista com Johnny Soares, julgador do quesito Enrede do Carnaval Carioca.


Mirella De Menezes Migliari*


Há 09 anos o Publicitário e Mestre em Educação João Carlos (Johnny) Soares participa da comissão julgadora dos Desfiles das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro, no quesito Enredo.


Em consulta ao Manual do Julgador do Carnaval/2019, verifica-se que “Enredo, em desfile de Escola de Samba, é a criação e a apresentação artística de um tema ou conceito” (LIESA, 2019. p. 47). A fim de determinar a nota atribuída, o Julgador deverá considerar:

CONCEPÇÃO: o argumento ou tema, ou seja, a idéia básica apresentada pela Escola e o desenvolvimento teórico do tema proposto, bem como sua densidade cultural; a clareza e a coerência na roteirização do Desfile, de modo a facilitar o entendimento do tema ou argumento proposto; REALIZAÇÃO: a sua adaptação, ou seja, a capacidade de compreensão do enredo a partir da associação entre o Tema ou Argumento proposto e o seu desenvolvimento apresentado na Avenida através das Fantasias, Alegorias e outros elementos plásticovisuais. A apresentação sequencial das diversas partes (alas, alegorias, fantasias, etc.) que irá possibilitar o entendimento do tema ou argumento proposto, de acordo com o roteiro previamente fornecido pela Escola (Livro Abre-Alas); a criatividade (não confundir com ineditismo); (…) Não levar em consideração: a brasilidade do enredo, ou seja, se a Escola, porventura, não apresentar enredo baseado em tema exclusivamente nacional; a inclusão de qualquer tipo de merchandising (explícito ou implícito) em Enredos; questões inerentes a quaisquer outros Quesitos”

(LIESA, 2019. p. 47).

Tendo em vista os critérios estabelecidos pela LIESA, convidamos nosso entrevistado para comentar alguns pontos do Manual no que tange o quesito Enredo. Além de abordar o desfile da G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, que foi a campeã de 2019 com nota máxima em todos os quesitos avaliados.


Professor, Líder do Comitê de Pesquisa da Faculdade de Tecnologia SENAC Rio e Coordenador do MBA em Marketing da mesma instituição, tem mais de 21 anos de vivência em empresas de design e comunicação. Foi eleito o Profissional de Marketing Promocional do Ano no Prêmio Colunistas 2012. João Carlos Soares é também Mestre em Educação na Linha Tecnologia de Informação e Comunicação nos Processos Educacionais pela Universidade Estácio de Sá. Pós-graduado em Mídias Digitais e Interativas pela Faculdade de Tecnologia SENAC RJ e em Marketing Empresarial pela UFF. Possui Especialização em Planejamento de Comunicação pela ESPM Rio. Acumula diversas premiações nas áreas de Criação, entre elas o Festival Internacional de Publicidade de Gramado, Festival de Nova York e o Festival de Londres. Com tamanha bagagem como profissional de publicidade, criação e marketing, Johnny Soares – seu nome artístico – apresenta, na entrevista que se segue, um olhar particular para o quesito Enredo quando atua como jurado.


OBSERVATÓRIO DO CARNAVAL: Johnny, considerando-se que o Enredo é “a criação e a apresentação artística de um tema ou conceito”, é possível estabelecer uma relação entre o papel do Carnavalesco e a atividade de Direção de arte em propaganda?


De certa forma, sim. Afinal, um Carnavalesco precisa ser criativo, curioso, ter senso estético e um bom conhecimento de arte. Alguns Carnavalescos importantes tiveram formação em Belas Artes, como Fernando Pamplona, Rosa Magalhães, Maria Augusta, entre outros. Contudo, não é necessário ter uma formação ligada às artes para se tornar um Carnavalesco, mas sim uma grande cultura geral, amor pelo Carnaval e a capacidade de gerenciar e resolver com criatividade grandes desafios, inclusive financeiros, transformando ideias em imagens visuais impactantes. Antes de tudo, é preciso saber que um Carnaval não é o resultado do esforço pessoal de um artista, mas, sim, uma reunião de talentos que atuam em diferentes frentes a partir de um líder, que é o Carnavalesco.


OBSERVATÓRIO DO CARNAVAL: Na linguagem publicitária do século XXI o Storytelling é uma técnica muito difundida e está por trás de marcas campeãs. É possível traçar uma analogia entre a linguagem publicitária e a realização de um desfile?


Todo ser humano é impactado por uma grande história. Desde criança, somos fascinados por histórias. O storytelling nada mais é do que esse resgate do “contador de histórias” que vem desde a época de Platão, que defendia suas ideias por meio de histórias, como no caso da Alegoria da Caverna; as histórias nos encantam desde a Grécia Antiga com seus Deuses e lutas... enfim, há séculos temos visto o poder das histórias sobre os homens. Um desfile de Escola de Samba é um teatro a céu aberto, o maior e mais popular que conhecemos. Nele, cada agremiação busca contar uma história (de um herói, de um povo, de um lugar, de uma celebridade, de uma luta...) com o objetivo de encantar os foliões espectadores de forma clara, direta, sensorial e inesquecível. A linguagem publicitária que se propõe a contar histórias e tocar a emoção do consumidor se aproxima, de algum modo, da missão de uma Escola de Samba. Os recursos e os canais são outros, mas o desejo de apresentar uma narrativa e impactar a audiência se assemelham.


OBSERVATÓRIO DO CARNAVAL: É possível considerar que as Escolas de Samba são marcas cariocas?


Sem dúvida, quando se pensa em Escolas de Samba é comum relacioná-las primeiramente ao Rio de Janeiro, cidade que durante anos vem projetando essa expressão máxima popular, artística e cultural do nosso povo, para o Brasil e o mundo. As primeiras Escolas de Samba nasceram no Rio de Janeiro. Os grandes compositores, intérpretes, carnavalescos e passistas se formaram aqui, no que é considerado o “berço do samba”. Não se pode negar o esforço, investimento e crescimento de outros Estados, sobretudo São Paulo, onde os Desfiles das Escolas de Samba têm se profissionalizado bastante. Mas a grande vitrine continua sendo o Rio de Janeiro e o jeito todo especial de o carioca celebrar o Carnaval e os Desfiles na Marquês de Sapucaí.


OBSERVATÓRIO DO CARNAVAL: Qual é o papel da criatividade ao julgar o quesito Enredo?


A criatividade, que não deve ser confundida com “ineditismo” – como bem sinaliza o Manual do Julgador, da LIESA – é essa capacidade de o Carnavalesco contar uma história, através de alas e alegorias/adereços, buscando fugir do lugar-comum, do óbvio, do já visto, do já apresentado, da mesmice, de tudo aquilo que torna um desfile monótono e desinteressante. É a capacidade de ser diferente, ousado, mas “entendível”, de impactar, de surpreender, de chamar a atenção e superar qualquer dificuldade da Escola com os recursos de que dispõe.


OBSERVATÓRIO DO CARNAVAL: Ao julgar o quesito Enredo, não se deve levar em consideração “a inclusão de qualquer tipo de merchandising (explícito ou implícito) (…)”. Qual é o espaço que o merchandising ocupa no Desfile das Escolas de Samba no Rio de Janeiro?


Na verdade, o merchandising não deve ocupar espaço nenhum em um Desfile de Escola de Samba. Afinal, trata-se de uma expressão artística e cultural, símbolo de resistência e identidade de um povo. Algumas Escolas de Samba têm seus enredos patrocinados por empresas e/ou organizações como forma de obter recursos financeiros para o seu Carnaval. Não se pode esquecer que as Escolas de Samba são também empresas, e que empregam milhares de pessoas, possuem gastos e custos altos. Tal decisão e negociação, portanto, diz respeito estritamente à Agremiação. A LIESA (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro), que é dirigida por um presidente e formada pelos presidentes e representantes das agremiações, é que fica responsável por avaliar e punir qualquer irregularidade no tocante à inclusão de materiais ou símbolos de promoção de empresas durante os Desfiles das Escolas de Samba. Afinal, ela é a organização que defende e luta por preservar este patrimônio imaterial que é o Carnaval do Rio de Janeiro.


OBSERVATÓRIO DO CARNAVAL: Como você avalia o trabalho de Leandro Vieira como Carnavalesco da Mangueira nos últimos quatro anos? E o que poderia destacar sobre o desfile vencedor de 2019?


Leandro Vieira, assim como outros jovens talentos do Carnaval Carioca, é motivo de alegria para todos que amam o Carnaval. Ele despontou no “Olimpo” dos Carnavalescos das Escolas de Samba já no ano da sua estreia no Grupo Especial, tendo conquistado o campeonato para a Estação Primeira de Mangueira com o enredo sobre a cantora Maria Bethânia, em 2016. Fazer parte e, sobretudo, sucesso dentro de grupo muito seleto como o dos Carnavalescos do Rio de Janeiro, onde a concorrência é gigantesca, só pode ser fruto de uma trajetória de estudos, de dedicação, de coragem e ousadia. O profissional atuou antes como assistente em outras Escolas para desenvolver seu talento e vem demonstrando um senso estético muito apurado, um grande conhecimento sobre seu ofício, uma imensa sensibilidade e atenção aos detalhes. Características importantes para um Carnavalesco.


Sobre o desfile de 2019, acredito que a temática crítica apresentada, não só pela Mangueira como por outras Escolas de Samba este ano – assim como ocorreu em 2018 com os desfiles da Beija-Flor de Nilópolis e da Paraíso do Tuiuti – expressa esse momento atual em que vivemos, de incertezas, de insatisfações, de dualismos, de crenças e valores sendo revistos, não só no Brasil, mas mundialmente. Como artistas que são, os Carnavalescos absorvem as alegrias e as dores do povo e tentam expressá-las, expurgá-las de forma carnavalizada. Algumas vezes, esse caminho dá certo; outras vezes, não. É preciso lembrar que desfiles com temáticas críticas e sociais sempre existiram. Basta recordarmos o inesquecível desfile de Joãozinho Trinta, à frente da Beija-Flor, em 1989, com “Ratos e Urubus, larguem minha fantasia”. Apesar do enorme apelo popular e sucesso que obteve junto à crítica e ao público, a Escola não se sagrou campeã. Há muitas variáveis que fazem um Desfile ser campeão que vão além da escolha e desenvolvimento do Enredo ou da composição do Samba-Enredo. Afinal, são 09 (nove) quesitos em julgamento.

O julgador, independentemente de sua posição política, deve julgar tecnicamente uma obra de arte popular, viva, apresentada num grande teatro a céu aberto. O desfile da Mangueira sobre os fatos e personagens que a História oficial não conta (“História para ninar gente grande”) foi bastante provocador, ousado e criativo – como não ser impactado pela apresentação e mensagem da Comissão de Frente? – mas, antes de tudo, foi um desfile que, tecnicamente, acertou nos quesitos em julgamento.


OBSERVATÓRIO DO CARNAVAL: Nos seus anos como julgador dos desfiles de carnaval, poderia citar alguns desfiles inesquecíveis do ponto de vista do Enredo. O que apresentaram de extraordinário?


Nesses 09 (nove) anos como Julgador de Enredo, tenho tido o privilégio de assistir a grandes espetáculos e a imensa responsabilidade e honra de, humildemente, tentar julgá-los. Digo isso porque, apesar de toda parte técnica que precisa ser avaliada por um Julgador, estamos falando de obras de arte, de expressões artísticas desenvolvidas por Carnavalescos e por centenas de profissionais, costureiras, artesãos, pintores, marceneiros... que trabalham incansavelmente num barracão. Pessoas que raramente aparecem na mídia, mas que se dedicam pela felicidade de comunidades inteiras.


É muito difícil relacionar alguns desfiles inesquecíveis, porque cada um tem algo de inesquecível. Às vezes, é uma ala, às vezes; é uma alegoria ou uma comissão de frente.


Em todo caso, um desfile inesquecível para mim foi “É Segredo!” da Unidos da Tijuca, com Paulo Barros, em 2010 – ano em que estreie na Comissão Julgadora. Outros desfiles inesquecíveis foram “A Simplicidade de um Rei”, sobre a vida do cantor Roberto Carlos, da Beija-Flor, em 2011; “Salgueiro apresenta: o Rio no Cinema”, do Salgueiro, também de 2011; “A Vila canta o Brasil, celeiro do mundo – Água no feijão que chegou mais um”, em 2013, da Vila isabel; “Maria Bethânia: a Menina dos Olhos de Oyá”, da Mangueira, em 2016 e “Quem nunca sentiu o corpo arrepiar ao ver esse rio passar?”, da Portela, em 2017. Todos eles foram perfeitos no desenvolvimento do Enredo, apresentando uma narrativa clara, bem concebida, criativa e de fácil leitura na Avenida. Obviamente vários outros desfiles – independentemente do resultado da apuração – foram marcantes ao longo desses nove anos. Afinal de contas, estamos falando de Escolas de Samba importantes no cenário cultural brasileiro, de profissionais de excelência criativa, mestres na arte de fazer Carnaval, de comunidades aguerridas e do Maior Espetáculo da Terra!

Referência: MIGLIARI, Mirella De Menezes. Tem publicitário no samba: entrevista com Johnny Soares, julgador do quesito enredo no carnaval carioca. 2019. Disponível em: https://plataformadeestudosdocarnaval.espm.br/entrevistas-2/. Acesso em: 1 abr. 2020.



*Doutora em Design (PUC-Rio); Professora-Pesquisadora do Laboratório Lembrar (ESPM - Rio).

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