* Beatriz Aguiar
"Quando pensam em artista passando fome, pensam em artista de rua ou algo assim. Não entendem a complexidade do setor cultural e o quanto muita gente está impactada". O alerta é da diretora da Associação de Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro (API), Cíntia Domit, que participou da primeira edição do encontro Esquina: ideias que se cruzam, promovido pela produtora audiovisual Quiprocó Filmes, em parceria com o cRio.
O evento, realizado em 04 de agosto, foi mediada pelo diretor executivo da Quiprocó, Fernando Souza, e também contou com a participação da presidenta da Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (APAN), Viviane Ferreira. O debate girou em torno da urgência de desenvolvimento de inovações e políticas públicas para o setor audiovisual.
Nem mesmo a recém sancionada Lei Aldir Blanc - elaborada com o objetivo central de estabelecer uma ajuda emergencial para artistas, coletivos e empresas que atuam no setor cultural e atravessam dificuldades financeiras durante a pandemia -, no entendimento de Cíntia, dá conta das complexidades do setor, uma vez que, por exemplo, muitas pessoas ainda não entendem que trabalham com a cultura e que têm direito a receber esse auxílio. Daí a urgência em se pensar um cadastro, ela pondera.
Para Viviane Ferreira, da APAN, apesar dos desafios, estamos diante de uma oportunidade, contudo, para entender como as políticas de ações afirmativas podem ser fundamentais para o aprofundamento da democracia no país. “Com a lei Aldir Blanc, podemos fazer diferente. Dá para experimentar reservas de recursos entendendo as porcentagens populacionais proporcionalmente. Porém vai ser preciso que os fóruns, que estão com esses debates ativados e aquecidos, se abram a construir com as formas de organizações que lhe são diferentes”.
A APAN surgiu em 2016, a partir de uma indignação sobre os rumos que o audiovisual estava tomando no país. De acordo com Viviane, desde a criação da Agência Nacional do Cinema (Ancine), as políticas brasileiras do audiovisual vinham experimentando um crescimento e a garantia de uma produtividade nacional maior, no entanto, isso não estava acontecendo de maneira alinhada com a diversidade étnica racial encontrada no país.
“É importante que a gente diga que a instabilidade no audiovisual no Brasil não se dá a partir do momento de pandemia, ela antecede esse momento. Para realizadores e realizadoras, negros e negras, e também indígenas, as construções de políticas públicas não estavam legal. O antigo normal não nos contemplava”, enfatiza.
A organização, que teve seu início com cerca de 20 realizadores associados, hoje conta com 550 associados nas cinco regiões do país. Esta mobilização vem sendo essencial para que eles possam contribuir para a construção de políticas afirmativas, não só na esfera federal, mas também, estadual e municipal. Viviane ponderou que a APAN pensa nas políticas do setor de maneira abrangente, entendendo tanto a responsabilidade do Estado, como também, do mercado.
Desde o início da pandemia, foi criado o Fundo de Amparo aos Profissionais do Audiovisual Negro (AFAPAN), com o objetivo de arrecadar recursos para a garantia de itens básicos aos profissionais negros do setor audiovisual, que foram impactados pela pandemia. “O isolamento foi decretado no dia 17 de março, e no dia 20, já estávamos pensando em formas de dar suporte para esses associados e associadas, que já sinalizavam que precisariam de ajuda”, destacou.
A API, como destacado por Cíntia, durante o evento, também nasce de uma reação à falta de políticas públicas. Criada em 2018, a associação surge a partir da necessidade em se promover a descentralização, democratização, manutenção e inovação das políticas públicas de fomento ao setor audiovisual. “A API já nasce bastante combativa. É uma entidade de muita personalidade, que busca um diálogo bastante intenso em instâncias como o Congresso Nacional, com outras entidades federais, além de entidades e representantes regionais”.
Sobre a retomada das produções audiovisuais no país neste cenário de pandemia, ambas enfatizam que produção não há segurança para que as filmagens sejam realizadas, mesmo que com o estabelecimento de protocolos sanitários. “Estamos em um momento em que a população que mais morre por conta do coronavírus no país é a população preta. Não é a única, mas segue sendo a com o maior número de corpos tombados”, enfatiza Viviane.
Os encontros do projeto Esquina: ideias que se cruzam, promovido pela produtora audiovisual Quiprocó Filmes acontecem quinzenalmente, sempre às terças-feiras, 19hs, no canal do Youtube da Quiprocó. O projeto conta com o apoio do cRio ESPM, da Fundação Heinrich Böll Brasil, da Fundação Luterana de Diaconia e do Lumyjacarê Junçara.
* Participantes:
Fernando Sousa (mediador) - diretor executivo da Quiprocó Filmes
Viviane Ferreira (debatedora) - Cineasta, mestra em políticas do audiovisual pela UNB, advogada, diretora da Odun Filmes, presidenta da APAN - Associação de Profissionais do Audiovisual Negro e Diretora Artística do Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul.
Cíntia Domit Bittar (debatedora) - Cineasta, sócia da Novelo Filmes, diretora da API - Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro. Vice-presidente do SANTACINE - Sindicato da Indústria do Audiovisual de SC, Conselheira Municipal de Política Cultural de Florianópolis e membra-fundadora da elaSCine - Mulheres do Audiovisual Catarinense.
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